Aspectos jurídicos sobre a posição dos influenciadores digitais no mercado de apostas esportivas no Brasil
O mercado de jogos de apostas esportivas tem experimentado um crescimento expressivo tanto no mercado brasileiro como globalmente.
Nesta toada, influenciadores digitais têm desempenhado um papel crucial na promoção dessas plataformas, utilizando a propaganda em suas redes sociais com objetivo de atrair novos apostadores.
No entanto, essa atuação traz a lume importantes debates sob a ótica jurídica, principalmente em relação à publicidade de jogos de azar e suas possíveis consequências ao consumo.
Este ensaio busca abordar, de forma sucinta e sintética, a responsabilidade jurídica dos influenciadores digitais no contexto de apostas esportivas, frente à previsão legal da Lei das Apostas, aprovada no final do ano de 2023.
Para tanto, iremos considerar o atual cenário legislativo brasileiro e as suas respectivas regulamentações que envolvem o mercado de jogos e apostas.
1. A publicidade no mercado de apostas esportivas e e a legislação brasileira:
O mercado de apostas no Brasil se estabeleceu com a aprovação da Lei nº 13.756/2018. A referida legislação previu expressamente a figura da ‘aposta esportiva’ no país.
Entretanto, o grande salto legislativo da matéria no Brasil tem sido sedimentado pela entrada em vigor da Lei 14.790¹2023 (a chamada Lei das Apostas), através da qual, ademais de estabelecer mecanismos para estimular a regulação, fiscalização e arrecadação dos tributos por parte das empresas que exploram os jogos on-line, foram fixados parâmetros objetivos para se garantir o jogo responsável.
Desta forma, a lei mencionada estabeleceu disposições sobre a fixação governamental de regulamentação da atividade de bets no âmbito da comunicação, da publicidade e do marketing, em seu art.16, as quais deverão ser regulamentadas através do Ministério da Fazenda.
A lei prevê, desde já, a necessidade de que tais ações direcionadas, a despeito da mencionada regulamentação política por parte do ente fazendário, deverão obedecer aos avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios, estabelecendo ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, além de proibir a participação de menores de 18 (dezoito) anos, observando o que discorre o Estatuto da Criança e do Adolescente, restringindo, inclusive, a destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo.
Por essas razões, por exemplo, os clubes esportivos de base, fortemente patrocinados pelas bets, não fazem exploração associativa de imagens de jogadores e atletas mirins. A motivação perpassa pela preocupação do ordenamento jurídico brasileiro, como um todo, de estabelecer critérios claros para operacionalização em território nacional que preservem as normas de proteção social, como o é o Estatuto da criança e do Adolescente e as normas protetivas para práticas de consumo.
O art. 17 da Lei de Apostas estabelece limitações de conduta dos agentes de apostas, que se traduzem em verdadeiras vedações ao agir desses sujeitos. Segundo esse dispositivo legal, os operadores de apostas são proibidos de veicular publicidade que tenha por objeto ou finalidade de divulgação de marca, símbolo ou denominação de pessoas jurídicas ou naturais, que veiculem afirmações infundadas sobre a probabilidade de ganho ou possível ganho, que apresentem a aposta como socialmente atraente, ou que contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades, que apontem que o jogo contribui para êxito pessoal ou social, ou que sugiram o jogo como solução para problemas financeiros, que ofendam crenças culturais ou tradições do País e, por fim, ambientados em locais de prática educacional, como em escolas e universidades.
Por esse modelo, permite-se que o apostador (consumidor, na ótica da Lei 8.078/90) saiba, no momento da aposta, o valor exato que poderá ganhar, caso o resultado desejado se concretize.
Estabeleceu-se, ainda, pela referida legislação em análise, que a publicidade deverá conter aviso de classificação indicativa de faixa etária direcionada.
Todo esse sistema protetivo decorre do dever de informação, assegurado na própria lei de regência, valendo-se dos direitos básicos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor e da própria Constituição Brasileira. Obviamente que esta proteção deve ser replicada para o contexto das apostas esportivas, na medida em que o agente operador de apostas deverá trazer ao seu apostador(consumidor) todas as informações necessárias para viabilizar o jogo responsável.
Neste sentir, ademais da própria identificação do anunciante da propaganda, a publicidade de apostas deverá disponibilizar os canais de acesso para a obtenção, caso assim deseje o apostador, das informações completas sobre a oferta, valores envolvidos, dados sobre a incidência de impostos e taxas ou descontos incidentes no eventual prêmio.
Assim, no âmbito da divulgação do conteúdo alusivo à propaganda de bets em ambiente digital, há normas na própria legislação que impõe à empresa responsável a responsabilização administrativa (processo administrativo sancionador), de modo que elas se encontram expressamente previstas nos arts. 38 a 42 da Lei de Apostas.
Entretanto, o que chama atenção ao debate é que apesar de a Lei de Apostas referir-se à operações de jogos online, é silente a legislação acerca da posição dos influenciadores digitais nas apostas esportivas, que são aqueles usuários de perfis inseridos nas redes sociais, com impulsionamento de imagem, para divulgar as bets para os seus seguidores, com a criação de conteúdo publicitário direcionado à propensão de grandes ganhos e de recebimento de valores altos em pouco tempo aos apostadores, criando uma relação jurídica singular entre os ditos influencers e as apostas esportivas.
O CONAR - Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária, recentemente, divulgou um guia de publicidade para influenciadores digitais, o qual determina a obrigatoriedade de sinalização do conteúdo publicizado relacionado às bets com a identificação de “publicidade” ou como “conteúdo pago”. E, neste contexto, se mostra relevante observar que essa política pode contribuir com que as empresas e redes de apostas comprometidas com a política publicitária do jogo responsável, manifestem cada vez mais adesão à disciplina estabelecida pelo CONAR, o que pode fomentar ainda mais a contratação por estas de perfis de influenciadores engajados com a responsabilidade social da divulgação do conteúdo de bets em suas redes.
A influência de perfis de redes sociais que ostentam milhões de seguidores em meio ao mundo virtual tem uma preponderação aos meios de divulgação usual, porque detém o poder de, por seus seguidores, impulsionar a venda de produtos de maneira potencializada, com criação de conteúdo estimulante ao seguidor, direcionando-o para consumo e, inclusive, alavancando o mercado, no caso, dos jogos on-line.
A preocupação é latente e pujante, visto que a exploração desenfreada dessa operação, ou seja, considerando-se a desobediência aos parâmetros estabelecidos pela lei regente, tem o condão de trazer consigo problemas relacionados ao vício em jogos e à saúde mental dos consumidores, problemática que deve ser analisada sob o prisma da saúde pública.
2. Os reflexos jurídicos-penais na conduta do influenciador de bets em ambiente de redes sociais
A atuação de influenciadores no mercado de apostas pode resultar em implicações penais, dependendo das circunstâncias.
A Lei de Contravenções Penais, em seu artigo 50, estabelece que a exploração de jogos de azar sem a devida autorização legal é considerada contravenção penal, impondo ao condenado as penalidades de prisão simples de 3 meses a 1 ano, além de multa e perda dos móveis e objetos de decoração do local onde sediada a operação. Apesar de o dispositivo mencionar “jogos de azar”, entende-se que tal denominação seria aplicável a todo e qualquer jogo através do qual ganho e a perda dependem principalmente ou exclusivamente da sorte, aqui compreendida a temática das apostas em competições esportivas.
Contudo, a previsão estabelecida na novel legislação de apostas, tende a fazer com que a norma penal acima estabelecida se torne cada vez mais inadequada do ponto de vista da contemporaneidade, porque, a bem da verdade, se o objetivo legislativo é a regulamentação da conduta de apostas esportivas, se observado o propósito legal de adoção de práticas regulatórias do jogo responsável, não seriam enquadradas as bets no tipo legal relacionado à contravenção penal.
Voltando os olhos para a conduta, em específico, do influenciador de bets em redes sociais, tem-se que este sujeito detém uma potencialidade de divulgação massiva do conteúdo publicitário em bets, de modo que através de sua própria imagem de incentivo, reproduzida com alcance milionário de perfis de seguidores, fomenta essa prática, de modo a com a associação da imagem assegura a credibilidade da operação do jogo pelos apostadores e, ao final, a efetiva concretização do prêmio ao vencedor.
Repercussões na ótica criminal decorrem não da atividade em si do incentivo às bets, mas da inobservância aos preceitos estabelecidos na regente legislação do tema, que podem desencadear o interesse na persecução penal de delitos derivados da atividade comercial de apostas – a exemplo de crimes contra a economia, contra a publicidade enganosa e abusiva, crimes contra o consumo, etc. - , como recentes repercussões midiáticas que levaram a investigação de possíveis crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa, além daqueles relacionados à correlação da atividade financeira desencadeada e o adequado recolhimento tributário pertinente.
Nesta ótica, os influencers em atividade de divulgação das bets poderiam ser responsabilizados criminalmente, ademais das situações acima mencionadas, na hipótese de integrar a estrutura organizacional da empresa rede de apostas, ou com ela se associar em identidade de desígnios para finalidade criminosa, visto que assim seria provável traçar a causalidade entre a contribuição do agente apostador e do profissional de divulgação, mediante direcionamento associativo de condutas penalmente reprováveis, o que não se afere daquele profissional, ao menos em tese, do influenciador digital, que se apresenta na relação jurídica como sujeito contratado com único objetivo de divulgação do produto de apostas em jogos, no ambiente das redes sociais.
3. Conclusão:
A expansão do mercado de apostas esportivas no Brasil e a crescente participação dos influenciadores digitais nesse cenário suscitam relevantes debates no campo jurídico. A legislação pátria, notadamente a Lei nº 14.790/2023, estabelece parâmetros objetivos e rigorosos para a promoção de apostas, prevendo, inclusive, sanções expressas para o descumprimento de suas disposições.
Nesse contexto, os influenciadores digitais que atuam na divulgação de plataformas de apostas estão vinculados ao estrito cumprimento das normativas aplicáveis, devendo observar, de forma rigorosa, os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), bem como as diretrizes traçadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), assegurando a transparência e a lealdade na publicidade de tais atividades.
Ademais, é imperioso que os mesmos se atentem às eventuais repercussões penais advindas de práticas ilícitas correlatas, como a exploração irregular de jogos de azar, nos termos do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais) e da Lei nº 9.613/1998 (lavagem de dinheiro).
A observância dessas obrigações é crucial tanto para a proteção dos direitos dos consumidores quanto para a preservação da lisura e integridade do mercado de apostas no Brasil. A inobservância das disposições legais aplicáveis pode ensejar a responsabilização dos influenciadores nos âmbitos civil, administrativo e penal, evidenciando a imprescindibilidade de uma conduta cautelosa e em conformidade com o ordenamento jurídico vigente.
Artigo escrito por Lorena Souza Campos Falcão, OAB/SE 5.904